Continuando de onde paramos!
Eram meados
dos anos noventa, e eu atuava sempre à noite, portanto, fundamentalmente,
rolavam aqueles programas “Momentos do Amor”, com locutores de vozes pomposas e
músicas para curtir uma boa fossa. Naqueles tempos, a programação evangélica
ainda não havia hegemonizado as rádios e TV’s durante as noites e madrugadas,
então, os insones tinham, se não uma vida mais feliz, ao menos uma solidão
povoada por seus próprios demônios e não pelos exorcizados por Malafaia e
Waldomiro [ e agora toca uma música do Caetano e um rapaz oferece ao pai que
faz 84 anos hoje]
A essa altura
você deve se perguntar que som rolava nas rádios daquela época, né? Bem, tinha
de tudo: rolava umas coisas da década perdida, como Marvin Gaye, Cindy Lauper,
Bon Jovi, Aerosmith. Tinha também os sucessos do momento: R.E.M., Guns, U2 e Joe
Cocker (seja lá como se escreve). Em termos de música nacional, sempre
apareciam Lulu Santos, Zezé de Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, RPM, Roupa
Nova, Djavan, Paralamas, Legião, eventualmente, um sucesso da Marisa Monte,
Adriana Calcanhoto [“eu perco o chão/ eu não acho as palavras/eu ando tão
triste/eu ando pela sala], e claro, presença sempre garantida e ilustre era de a
“Robertus Carlo”.
Apareciam, vez
ou outra, alguns super hiper ultra mega clássicos da noite e dos corações
partidos: “I’ll be there” dos Jackson Five, “My endless Love” [trilha sonora de
“Uma história de amor”, outro filme que, não fala sobre rádio, mas vale a
pena], “Stand by me” do John, algum sucesso mamão com açúcar do Caetano ou do
Tim Maia e muitos etc etc etc. Não tem como citar todos aqui, mas valeria a
pena organizar uma playlist para escutar enquanto tomo uma cerveja com os
amigos.
Além disso, o
meu imaginário infantil era povoado pela programação não musical das rádios e
programas: “Rosicleide do Cristo, oferece essa música para Leandro do Grotão.”,
“Sheyla dos Funcionários manda um recado para Alecsandro do Sesi de Bayeux:
Alecsandro, eu te amo! Você é minha vida, é o ar que eu respiro, é o sol que me
ilumina. Todos os obstáculos do mundo não serão capazes de nos separar!” [ tá
tocando “Call me, maybe”, putz, eu adoro essa música. Acho taaao gay. Sim, eu
faço coreografia com ela!]. Eu pensava: quem será Rosicleide? Onde trabalha?
Como conheceu Leandro? Quais serão os obstáculos que impedem esse amor? Será
que um dia eu mandarei uma mensagem para alguém num programa desses? Eu não
sabia de muita coisa na vida, mas pelos nomes das pessoas, os bairros onde
moravam, os tipos de recados, eu imaginava que eram pobres, empregadas,
pedreiros, lixeiros... achava aquilo tudo meio bonito, mas também meio ridículo
e risível. Sabe como é, essas distinções e preconceitos de classe a gente
apreende e introjeta bem rápido e cedo, pelos mecanismos sociais mais variados.
Agora já está
na hora de terminar esse conversa! Como falei, o namoro da minha irmã que deu
origem a essa prática acabou, mas eu continuei ouvindo rádio deitada no chão da
sala por muitos anos ainda, até a adolescência. Abandonei isso com o advento de
um computador e internet no meu quarto, a mp3 revolucionou minha relação com a
música, mas isso já seria assunto para outro post. Outra questão, é que meu
gosto musical tornou-se, cada vez mais, algo distante da programação das
rádios, além das mp3, os CD’s foram sempre uma opção preferível ao rádio a
partir de determinado momento da minha vida [agora, tô ouvindo a música do
Super Mario World em forma de chorinho, incrível isso, não? Que surpresa
adorável para uma madrugada].
Por hoje é só, pessoal!
P.S.: quando acabei de escrever o
texto, achei uma rádio tocando o Concerto de Dvorak para Cello. Nem preciso
dizer que foi o grande momento da madrugada, não é?! O primeiro movimento
sempre me causa um prazer quase sexual, porém, com algo de sublime que o sexo
não tem! Mas era com o Yo Yo Ma tocando, prefiro o Rostropovich!