Uma madrugada
no aeroporto [absolutamente vazio, vale ressaltar, até me espantei]
apresenta-se como uma ótima oportunidade para escrever um texto para o blog
recém inaugurado, não?
Indo direto ao
assunto, sou daquelas pessoas que não conseguem viver sem música, e sou assim
desde que me lembro de existir. Música é uma parte muito importante da minha
vida: para tomar banho logo pela manhã, para ir andando até a biblioteca, para
aguentar a fila do bandejão, para aguentar a solidão dessa cidade....agora, por
exemplo, os fones no ouvido estão a todo vapor [voltarei a isso daqui a pouco].
A lembrança
musical das mais antigas que tenho é a seguinte: meu pai tocava violão e, ao
menos na minha cabeça, tocava sempre as mesmas músicas [meu velho não tinha um
repertório lá muito variado]. E de tanto ele repetir, eu, uma criança sempre
atenciosa, aprendi a cantar. Cantava “Chão de estrelas” e o meu pai acompanhava
no violão. Imagino que ele devia achar aquilo lindo, afinal, era A música
preferida dele. Coitado do meu pai, acreditava que eu era um prodígio. Não o
condeno, uma criança de cinco anos cantando “Chão de estrelas” até que empolga.
Mas disso não passei, ali se encerraram todos os meus dotes artísticos e
musicais, a despeito de todas as minhas tentativas posteriores. [veja que
coincidência, a Baby Consuelo acabou de passar do meu lado, e logo em seguida,
toca uma música do Pepeu Gomes na rádio... “eu só quero você e mais nadaaaa”,
segundo o locutor, foi trilha sonora de Roque Santeiro].
Mas o que me
deu a deixa para o texto de hoje não foram minhas lembranças filiais. Vinha eu
no ônibus para o Galeão, queria ouvir uma musiquinha, mas não pus nada novo na
minha playlist e já escutei à exaustão tudo o que tinha no celular.
Experimentei por no rádio. Quantos anos eu não escutava rádio? Não sei, mas
acredite, faz muitos... tipo uns seis ou mais. Então, fomos ao rádio. E lá
estava eu na Ponte, escutando uma rádio carioca, noite, aquela vista
panorâmica, o Rio todo iluminado, o Cristo lá em cima, eu indo visitar minhas
terras... e de repente toca Tim Maia: “Me dê motivos/ pra ir embora/ estou
vendo a hora/ de te perder...”. Confesso que essa combinação me emocionou, deu
uma pontinha de melancolia gostosa [como diz o Chico, todos nós herdamos no
sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo, e a mistura mourisca e negra do meu
sangue, só potencializa isso].
Voltemos ao
rádio [por falar nisso, se você ainda não viu “A era do rádio” do Woody Allen,
veja!]. Ótimas e saudosas lembranças, advêm daí. Quando eu era criança, as
noites de sexta, sábado e domingo tinham uma programação adorada por mim: ser
DJ do namoro da minha irmã mais velha! Sabe como é, todo irmão mais novo nutre
certa idolatria pelo mais velho, e comigo não foi diferente. Tudo o que minha
irmã fazia me interessava, além de causar certa pontinha inveja, porque eu
queria fazer tudo o que ela fazia, mas nem preciso dizer que não podia, né?
Principalmente no tocante a namorar [e agora toca Ivan Lins “quero sua risada
mais gostosa, o seu jeito de achar, que a vida pode ser maravilhosa”].
Como disse, o
namoro da minha irmã adolescente era toda sexta, sábado e domingo. Ela namorava
num tipo de terraço/área que ficava do lado de fora da casa. Eu, obviamente,
não tinha permissão para ir lá atrapalhar [o nome do namorado dela era Wagner,
o rapaz era o sucesso do bairro], mas nada me impedia de ficar na sala ouvindo
música, né? E eu ficava lá com o som ligado, deitada no chão, ouvindo rádio,
pulando de estação em estação, escolhendo a trilha sonora do namoro da minha
irmã. Sempre deixava nas músicas que julgava mais apropriadas, mais bonitas,
que iriam sensibilizar o casal... e não é que a coisa deu certo? Eu virei parte
do namoro dos dois, e embora de onde eu ficasse, não fosse possível vê-los, de
alguma maneira nós interagíamos. Depois de alguns meses, chegamos ao ponto no
qual, quando eu trocava de estação e eles não aprovavam a nova escolha, Wagner
colocava a cabeça na porta e dizia: “Ah, volta para aquela música, aquela é
mais bonita!”.
Às vezes, na
manhã seguinte, minha irmã comentava das músicas que tinha escutado. O fato é
que virei uma espécie de mascote dos namorados, um mascote invisível que ficava
na sala, escolhendo sabe-se lá com que critérios infantis, as músicas que provavelmente
viraram trilha sonora daquele amor [que não deu certo, o namoro só durou uns
seis ou sete meses]. Minha atividade agradava a todo mundo: à minha mãe que
tinha uma garantia dos bons modos do namoro de minha irmã, pois eu estava
sempre por perto; ao casal que se divertia com as músicas; a mim, que me sentia
o máximo com isso [sabe como é criança, se empolga com cada coisa]. Suspeito que
meu pai seria o único que desaprovaria, mas ele não sabia, dormia cedo e não
via a minha movimentação. Acredito que minha mãe nunca comentou com ele, pois,
com certeza painho iria reclamar, e ela perderia tão vigilante presença da
honra da minha irmã.
P.S.: o texto
continua na próxima postagem. Quis encerrar por aqui para não ficar muito
grande [o rádio toca “Ne me quittes pas”]