terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Uma madrugada no aeroporto - parte 1


Uma madrugada no aeroporto [absolutamente vazio, vale ressaltar, até me espantei] apresenta-se como uma ótima oportunidade para escrever um texto para o blog recém inaugurado, não?
Indo direto ao assunto, sou daquelas pessoas que não conseguem viver sem música, e sou assim desde que me lembro de existir. Música é uma parte muito importante da minha vida: para tomar banho logo pela manhã, para ir andando até a biblioteca, para aguentar a fila do bandejão, para aguentar a solidão dessa cidade....agora, por exemplo, os fones no ouvido estão a todo vapor [voltarei a isso daqui a pouco].
A lembrança musical das mais antigas que tenho é a seguinte: meu pai tocava violão e, ao menos na minha cabeça, tocava sempre as mesmas músicas [meu velho não tinha um repertório lá muito variado]. E de tanto ele repetir, eu, uma criança sempre atenciosa, aprendi a cantar. Cantava “Chão de estrelas” e o meu pai acompanhava no violão. Imagino que ele devia achar aquilo lindo, afinal, era A música preferida dele. Coitado do meu pai, acreditava que eu era um prodígio. Não o condeno, uma criança de cinco anos cantando “Chão de estrelas” até que empolga. Mas disso não passei, ali se encerraram todos os meus dotes artísticos e musicais, a despeito de todas as minhas tentativas posteriores. [veja que coincidência, a Baby Consuelo acabou de passar do meu lado, e logo em seguida, toca uma música do Pepeu Gomes na rádio... “eu só quero você e mais nadaaaa”, segundo o locutor, foi trilha sonora de Roque Santeiro].
Mas o que me deu a deixa para o texto de hoje não foram minhas lembranças filiais. Vinha eu no ônibus para o Galeão, queria ouvir uma musiquinha, mas não pus nada novo na minha playlist e já escutei à exaustão tudo o que tinha no celular. Experimentei por no rádio. Quantos anos eu não escutava rádio? Não sei, mas acredite, faz muitos... tipo uns seis ou mais. Então, fomos ao rádio. E lá estava eu na Ponte, escutando uma rádio carioca, noite, aquela vista panorâmica, o Rio todo iluminado, o Cristo lá em cima, eu indo visitar minhas terras... e de repente toca Tim Maia: “Me dê motivos/ pra ir embora/ estou vendo a hora/ de te perder...”. Confesso que essa combinação me emocionou, deu uma pontinha de melancolia gostosa [como diz o Chico, todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo, e a mistura mourisca e negra do meu sangue, só potencializa isso].
Voltemos ao rádio [por falar nisso, se você ainda não viu “A era do rádio” do Woody Allen, veja!]. Ótimas e saudosas lembranças, advêm daí. Quando eu era criança, as noites de sexta, sábado e domingo tinham uma programação adorada por mim: ser DJ do namoro da minha irmã mais velha! Sabe como é, todo irmão mais novo nutre certa idolatria pelo mais velho, e comigo não foi diferente. Tudo o que minha irmã fazia me interessava, além de causar certa pontinha inveja, porque eu queria fazer tudo o que ela fazia, mas nem preciso dizer que não podia, né? Principalmente no tocante a namorar [e agora toca Ivan Lins “quero sua risada mais gostosa, o seu jeito de achar, que a vida pode ser maravilhosa”].
Como disse, o namoro da minha irmã adolescente era toda sexta, sábado e domingo. Ela namorava num tipo de terraço/área que ficava do lado de fora da casa. Eu, obviamente, não tinha permissão para ir lá atrapalhar [o nome do namorado dela era Wagner, o rapaz era o sucesso do bairro], mas nada me impedia de ficar na sala ouvindo música, né? E eu ficava lá com o som ligado, deitada no chão, ouvindo rádio, pulando de estação em estação, escolhendo a trilha sonora do namoro da minha irmã. Sempre deixava nas músicas que julgava mais apropriadas, mais bonitas, que iriam sensibilizar o casal... e não é que a coisa deu certo? Eu virei parte do namoro dos dois, e embora de onde eu ficasse, não fosse possível vê-los, de alguma maneira nós interagíamos. Depois de alguns meses, chegamos ao ponto no qual, quando eu trocava de estação e eles não aprovavam a nova escolha, Wagner colocava a cabeça na porta e dizia: “Ah, volta para aquela música, aquela é mais bonita!”.
Às vezes, na manhã seguinte, minha irmã comentava das músicas que tinha escutado. O fato é que virei uma espécie de mascote dos namorados, um mascote invisível que ficava na sala, escolhendo sabe-se lá com que critérios infantis, as músicas que provavelmente viraram trilha sonora daquele amor [que não deu certo, o namoro só durou uns seis ou sete meses]. Minha atividade agradava a todo mundo: à minha mãe que tinha uma garantia dos bons modos do namoro de minha irmã, pois eu estava sempre por perto; ao casal que se divertia com as músicas; a mim, que me sentia o máximo com isso [sabe como é criança, se empolga com cada coisa]. Suspeito que meu pai seria o único que desaprovaria, mas ele não sabia, dormia cedo e não via a minha movimentação. Acredito que minha mãe nunca comentou com ele, pois, com certeza painho iria reclamar, e ela perderia tão vigilante presença da honra da minha irmã.

P.S.: o texto continua na próxima postagem. Quis encerrar por aqui para não ficar muito grande [o rádio toca “Ne me quittes pas”]

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